Uma semana depois
Adorava pregar-me partidas. Fazia ar de zombie e tirava a dentadura só para me ver gritar de desespero. Dizia-me que quando era pequeno a madrasta o obrigava a comer sandes de ananás. Quando pedi à minha mãe iguaria semelhante “como as que comia o avô quando era pequenino” a minha mãe lá me disse que as únicas sandes que a madrasta lhe dava eram sandes de porrada. Trabalhou na CP a vida quase toda e adorava ainda andar de comboio, carregado com as couves e as abóboras e as uvas que trazia da terra que ele próprio ainda sovava a enxada. Um dia um assaltante levou-lhe as sacas de verduras entre uma estação e um apeadeiro. Resolveu passar semanas a passear uma saca, igual às outras, mas com pedras, fezes de animais e um papel que dizia “agora é que te apanhei, gatuno”. A minha mãe e as minhas tias desesperavam, a minha avó encolhia os ombros e dizia que Jaquim dela era mesmo assim.
O meu avô morreu no Sábado passado, depois de anos a ser uma cada vez mais débil fotocópia de si mesmo. E eu gostava de ser capaz de acreditar que está algures a comer sandes de ananás. A dentadura, fez a minha avó questão de me dizer, ainda está no quarto.