Uma semana depois
Eu devia ter oito anos, por aí. Tal como agora, era Verão. Só que nesses tempos Verão era sinónimo de férias grandes que me deixavam meses e meses entregue sozinha à televisão, enquanto os meus pais derretiam no escritório e a minha irmã ainda tinha exames a martelarem-lhe o juízo. Ele ia-me buscar a casa para ir com jogar às cartas com ele e os amigos. Eram umas cartas já muito amareladas, com as figuras das Damas e dos Reis desenhadas a grande detalhe, com pestanas e sorrisos largos e tudo. Nesse Verão, achei que me tinha tornado especialista a jogar à Bisca. Agora percebo que era ele quem me deixava ganhar. Já não me lembro como é que se joga à Bisca. Mas ainda me lembro das cartas com pestanas, das bolachas Maria que ele me dava e que eu devorava apesar de já estarem moles, da boina aos quadrados.
Adorava pregar-me partidas. Fazia ar de zombie e tirava a dentadura só para me ver gritar de desespero. Dizia-me que quando era pequeno a madrasta o obrigava a comer sandes de ananás. Quando pedi à minha mãe iguaria semelhante “como as que comia o avô quando era pequenino” a minha mãe lá me disse que as únicas sandes que a madrasta lhe dava eram sandes de porrada. Trabalhou na CP a vida quase toda e adorava ainda andar de comboio, carregado com as couves e as abóboras e as uvas que trazia da terra que ele próprio ainda sovava a enxada. Um dia um assaltante levou-lhe as sacas de verduras entre uma estação e um apeadeiro. Resolveu passar semanas a passear uma saca, igual às outras, mas com pedras, fezes de animais e um papel que dizia “agora é que te apanhei, gatuno”. A minha mãe e as minhas tias desesperavam, a minha avó encolhia os ombros e dizia que Jaquim dela era mesmo assim.
O meu avô morreu no Sábado passado, depois de anos a ser uma cada vez mais débil fotocópia de si mesmo. E eu gostava de ser capaz de acreditar que está algures a comer sandes de ananás. A dentadura, fez a minha avó questão de me dizer, ainda está no quarto.
Adorava pregar-me partidas. Fazia ar de zombie e tirava a dentadura só para me ver gritar de desespero. Dizia-me que quando era pequeno a madrasta o obrigava a comer sandes de ananás. Quando pedi à minha mãe iguaria semelhante “como as que comia o avô quando era pequenino” a minha mãe lá me disse que as únicas sandes que a madrasta lhe dava eram sandes de porrada. Trabalhou na CP a vida quase toda e adorava ainda andar de comboio, carregado com as couves e as abóboras e as uvas que trazia da terra que ele próprio ainda sovava a enxada. Um dia um assaltante levou-lhe as sacas de verduras entre uma estação e um apeadeiro. Resolveu passar semanas a passear uma saca, igual às outras, mas com pedras, fezes de animais e um papel que dizia “agora é que te apanhei, gatuno”. A minha mãe e as minhas tias desesperavam, a minha avó encolhia os ombros e dizia que Jaquim dela era mesmo assim.
O meu avô morreu no Sábado passado, depois de anos a ser uma cada vez mais débil fotocópia de si mesmo. E eu gostava de ser capaz de acreditar que está algures a comer sandes de ananás. A dentadura, fez a minha avó questão de me dizer, ainda está no quarto.
4 Comments:
uma beijoca e fica com esse pensamento e com coisas boas que o teu avô te deixou. :-)
Uma bonita homenagem :)
Força aí, beijinhos
minha linda,
de certeza que está de sandocha na mão a olhar-te lá de cima (n sei se ha ceu e inferno, mas sendo teu avô, merece as estrelas!) p tomar conta de ti!
e vai ser a tua estrelinha aposto, porque os avôs são isso mm... as nossas estrelinhas!
beijo enorme
...
Um beijinho, Susana.
Lia
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