Coisa feia, a inveja...
Há autores dos quais eu gosto muito. Escrevem com perícia. Transportam-me para outros lugares. Apresentam-me personagens com densidade digna da mais interessante das pessoas reais. E depois há os outros. Aqueles que são de tal maneira perfeitos naquilo que fazem me sugerem uma relação de amor-ódio. Por um lado, escrevem textos que me marcam para a vida. Por outro, fazem-me sentir uma profunda e mesquinha inveja. Conseguiram transpor exemplarmente para palavras aquilo que no meu cérebro eram meros borrões e gatafunhos aos quais eu não conseguia dar forma.
Um desses casos é o Miguel Esteves Cardoso. Não o d'«O Amor É Fodido», livro girinho mas sobrevalorizado por chocar as velhinhas que passavam na montra da Bertrand. O MEC d'«A Causa das Coisas», d'«As Minhas Aventuras na República Portuguesa» e, especialmente, de «Os Meus Problemas» livro de 1988 que quase não apresenta rugas.
Li «Os Meus Problemas» pela primeira vez quando tinha uns 12 ou 13 anos. A conselho da minha irmã, nove anos minha sénior. Trouxe uma edição mal-tratada da Biblioteca de Sintra. Olhando para trás acho que não percebi grande parte, mas logo ali o humor e a genialidade me deram vontade de continuar a ler e de começar a escrever.
O ano passado, reencontrei «Os Meus Problemas». Estava à minha espera, por oito euros, numa feira de livros usados na Baixa. Ao relê-lo, entrou directamente para o topo da minha lista de livros preferidos. Em vez de me pôr para aqui a tentar explicar o porquê, deixo-vos um excerto de "Amores Declarados". À pala deste texto, acho que se encontrar o MEC na rua não vou saber se lhe hei de dar um abraço ou um calduço.
«Fazer um registo de propriedade é chato e difícil, mas fazer uma declaração de amor é ainda pior. Ninguém sabe como. Não há minuta. Não há sequer um despachante ao qual o premente assunto se possa entregar. As declarações de amor têm de ser feitas pelo próprio. A experiência não serve de nada - por muitas declarações que já se tenham feito, cada uma é completamente diferente das anteriores. No amor, aliás, a experiência só demonstra uma coisa: que não tem nada que estar a demonstrar coisíssima nenhuma.
É verdade - começa-se sempre do zero. Cada vez que uma pessoa se apaixona, regressa à suprema inocência, inépcia e barbárie da puberdade. Sobem-nos as bainhas das calças nas pernas e quando damos por nós estamos de calções. A experiência não serve de nada na luta contra o fogo do amor. Imaginem-se duas pessoas apanhadas no meio de um incêndio, sem poderem fugir, e veja-se o sentido que faria uma delas virar-se para a outra e dizer: 'Ouve lá, tu que tens experiência de queimaduras do primeiro grau...'.
Pode ter-se setenta anos. Mas no dia em que o peito sacode com as aurículas a brincar aos carrinhos-de- choque com os ventrículos, Deus Nosso Senhor carrega no grande botão CLEAR que mandou pôr na consola consoladora das nossos corações. Esquece-se tudo. Que garfo usar com o peixe. Que flores comprar. Que palavras dizer. Que gravata com que raio de casaco hei de usar? Sabe-se nada. Nicles.»
Um desses casos é o Miguel Esteves Cardoso. Não o d'«O Amor É Fodido», livro girinho mas sobrevalorizado por chocar as velhinhas que passavam na montra da Bertrand. O MEC d'«A Causa das Coisas», d'«As Minhas Aventuras na República Portuguesa» e, especialmente, de «Os Meus Problemas» livro de 1988 que quase não apresenta rugas.
Li «Os Meus Problemas» pela primeira vez quando tinha uns 12 ou 13 anos. A conselho da minha irmã, nove anos minha sénior. Trouxe uma edição mal-tratada da Biblioteca de Sintra. Olhando para trás acho que não percebi grande parte, mas logo ali o humor e a genialidade me deram vontade de continuar a ler e de começar a escrever.
O ano passado, reencontrei «Os Meus Problemas». Estava à minha espera, por oito euros, numa feira de livros usados na Baixa. Ao relê-lo, entrou directamente para o topo da minha lista de livros preferidos. Em vez de me pôr para aqui a tentar explicar o porquê, deixo-vos um excerto de "Amores Declarados". À pala deste texto, acho que se encontrar o MEC na rua não vou saber se lhe hei de dar um abraço ou um calduço.
«Fazer um registo de propriedade é chato e difícil, mas fazer uma declaração de amor é ainda pior. Ninguém sabe como. Não há minuta. Não há sequer um despachante ao qual o premente assunto se possa entregar. As declarações de amor têm de ser feitas pelo próprio. A experiência não serve de nada - por muitas declarações que já se tenham feito, cada uma é completamente diferente das anteriores. No amor, aliás, a experiência só demonstra uma coisa: que não tem nada que estar a demonstrar coisíssima nenhuma.
É verdade - começa-se sempre do zero. Cada vez que uma pessoa se apaixona, regressa à suprema inocência, inépcia e barbárie da puberdade. Sobem-nos as bainhas das calças nas pernas e quando damos por nós estamos de calções. A experiência não serve de nada na luta contra o fogo do amor. Imaginem-se duas pessoas apanhadas no meio de um incêndio, sem poderem fugir, e veja-se o sentido que faria uma delas virar-se para a outra e dizer: 'Ouve lá, tu que tens experiência de queimaduras do primeiro grau...'.
Pode ter-se setenta anos. Mas no dia em que o peito sacode com as aurículas a brincar aos carrinhos-de- choque com os ventrículos, Deus Nosso Senhor carrega no grande botão CLEAR que mandou pôr na consola consoladora das nossos corações. Esquece-se tudo. Que garfo usar com o peixe. Que flores comprar. Que palavras dizer. Que gravata com que raio de casaco hei de usar? Sabe-se nada. Nicles.»
7 Comments:
Bolas, que grande texto!
Já emprestavas era o livro aos amigos, não? ;)
Para quem não conhece (como é o meu caso) deixa água na boca. Faço minhas as palavras do João: já emprestava esse livro aos amigos, não?!
Ola gaja. Não vou fazer comentarios ao teu texto...hihihi...é so pra te mandar a minha morada, eu sei que n é o lugar ideal, mas é so desta vez, é que tou cheia de trabalhito e n sei se te apanho hoje n msg. Aqui vai: Rampe des Ardemmais 36/201, 1348 Louvain-la-Neuve, Belgique
Beijosss
Já sei onde é que tenho casa da próxima vez que for à Bélgica! :D
Isto dos blogs é mesmo assim. Vim cá parar atraves da sugestão dum blog amigo. Fiquei e passo por cá diáriamente. O MEC é sem duvida um grande escritor. Como este excerto, existem outros tantos excelentes. Gostei de recordar... acho que vou voltar a ler os livros que tenho lá em casa.
Eu gosto de quase tudo o que o MEC escreveu. Livro da minha vida é "O Cemitério de Raparigas". Daqueles que leio, sublinho, releio. Grande MEC!
Como eu te percebo...
Depois da preguiça... a inveja...(estamos no bom caminho!)
O MEC é um Mestre!
Com tantos amigos que querem o livro emprestado acho que é melhor parar na próxima livraria!
Já que estou prestes a perder o "Melinda e Melinda" ao menos fico com outra bíblia
bjo
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